ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

segunda-feira, agosto 02, 2004

 

As coisas que continuam, depois de nós

O ano passado, naquela época em que ainda desejava, escrevi sobre a epifania de verdade sentida no momento de chegar a casa e no lugar que esse acontecimento deve ter na vida de um homem, mas não resisto a tornar a fazê-lo agora, nestes tempos de cadeiras de praia e vagas brisas marítimas.
O fascínio de regressar aos Açores prende-se, julgo, com o ser imperfeito, pleno de contradições, de amor e desamor, certeza de ser este o nosso lugar e saber que já cá não se poderia viver, parecer a infinitésima vez que se volta e surpreender-se sempre com dezenas de pequenas descobertas mais.
Chegado ontem e ainda a ter equilibrar os sonos, já tive tempo para algo do essencial destas ilhas: o sol quando aterrei, um dilúvio nocturno, um domingo intermitente e uma noite, esta, de lua branca. Pela estrada, cruzar-me com uma procissão, uma tourada, um carro que empata o trânsito para ficar a conversar com um compincha que passa a pé, adolescentes sentados num muro a contar as suas façanhas briguentas, espalhafatosos emigrantes de regresso sazonal passeando-se pela freguesia, festas na cidade da Praia, tascas e desfiles, encontrar quem menos se espera, como sempre, ao virar da esquina. E a paz imensa dos finais de tarde, o cheiro a verde, tão mais forte que o do mar. Uma almoçarada de marisco, uma janta carnívora. Aperceber-me de como cresceram as meninas do meu tempo do fim de liceu. Esbarrar em mais antigos colegas de bébés ao colo, ex-namoradas que engordaram e outras que ficaram ainda mais bonitas. As pronúncias, os andores, os tapetes florais, os donos de casa arranjando os jardins, os carros coloridos, os que me reconhecem e eu não me lembro, aqueles de quem me lembro que não me reconhecem.
De onde quereria eu ser mais? Por muito cosmopolita que me ache, por quantos cinemas e teatros frequente, por sonhar os destinos que sonhe.
Afinal, há tanta mais verdade neste lugar, nesta gente, em tudo isto, do que nos meus erros, nas minhas tentativas de coerência, nos meus projectos, na minha filosofia...
E que bom é perceber isso. Que sou minúsculo.
Alexandre



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