Na última Sexta, uma das peças que acompanharam a conversa de Alberto Pimenta com Paula Moura Pinheiro foi sobre hip hop. De acordo com a peça, corroborada por «especialista em hip hop» (e porque não?!), este começou por ser uma arma de contestação da cultura negra ao racismo e, depois, passou a exprimir o sexismo da cultura americana. A falácia é óbvia mas vale a pena prestar-lhe atenção. A mudança do sujeito do hip hop, dos negros para a sociedade americana, esconde o óbvio: o hip hop permanece ligado à cultura negra e o sexismo é dela (e também lá está desde os primórdios).
Pouco importa que a mulher seja mais livre na sociedade americana do que em qualquer outra, e que o sexismo nela exista como em todas (quem gostar de relíquias pode procurar nos alfarrabistas
America the beautiful, de Fidelino de Figueiredo). O que importa é desviar o olhar do facto de ser entre a minoria negra que esse sexismo é mais gritante e primário, o que já originou, aliás, tensões explícitas entre os conservadores (sobretudo religiosos) dessas comunidades e os rappers. Devemos concluir que as «bitches» de 50 cent são obrigadas a bambolear-se nos clips ou que, coitadinhas, Lil’Kim e as já velhotas Salt’n’Pepa não sabem o que dizem… A boa sociedade assume o fardo de as julgar inconscientes, para melhor salvaguardar a culpa do homem (branco). Pena é que seja essa cultura estreita e boçal a emblemática, muito mais que (por exemplo) qualquer daisy age de uns De la soul – e também estes já fizeram clips no «car wash», afinal. Mas note-se: emblemática da cultura do gueto, não da cultura americana.
Tudo isto levou a conversa do programa para longe, sem necessidade. Qualquer homem com o mínimo de idade não tem como não reparar no prazer que a mais comum das mulheres tem em, mais do que se tornar atraente aos olhos dos homens, se mostrar indubitavelmente mais atraente para eles do que a mulher do lado. O grau de mesquinhez e venalidade que atingem no processo é mesmo tão surpreendente que só pode resultar de uma imaginação muito bem trabalhada nesse sentido. Habituadas a viver em sociedades de liberdades individuais, essencialmente não sexistas, as «nossas» mulheres agem como se essa permanente estimulação libidinal fosse natural e neutra. Mas não é, nunca foi, e inevitavelmente lembram-se disso quando se encontram, caricaturadas, em clips. «Aquelas» fazem mais do que mostrar as glândulas mamárias no decote, soltam-nas. Em qualquer caso não será assim por muito mais tempo, a pornografia entra já nos hábitos femininos mainstream – como na Sexta bem se viu num outro apontamento do programa, sobre esse símbolo de emancipação da mulher branca que foi (até se arrepender e converter) Linda Lovelace.
CL